quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Pais e Filhos



A música “Pais e Filhos”, da banda Legião Urbana está no CD “As quatro estações”, que foi lançado em 1989. Pais e filhos é a segunda faixa e uma das que mais fizeram sucesso. O álbum do grupo que alcançou maior vendagem foi "As Quatro Estações" de 1989. O disco teve 1,350 milhões de cópias vendidas.
Pensemos a princípio na questão da tipologia e gênero textual. É uma letra de música e portanto um poema com doze estrofes, dividido em cinqüenta e quatro versos livres. O tamanho das estrofes é irregular: temos estrofes de três versos e a mais longa de oito versos.
O poema possui traços de narração e argumentação.
Como poema o texto possui rimas: na terceira estrofe há a rima de agora com fora; na quarta, de vocês com três; na oitava estrofe, há a rima de visitar com lugar; na nona de mais com pais. No entanto, podemos notar que as rimas são ocasionais e não era o objetivo do poeta, pois o ritmo é mais importante que a rima, dentro desse texto.
O que chama a atenção nessa letra é a aparência de caos: não há um encadeamento e nem coesão textual à primeira vista. Então não seria um texto? Porém, debruçando-se mais profundamente, podemos recuperar o sentido do texto.
Na primeira estrofe podemos dizer que há uma voz narrativa, ou seja a voz do narrador que enumera elementos.

Estátuas e cofres
E paredes pintadas
Ninguém sabe
O que aconteceu...

Nessa fala aparece uma pessoa pessoa do sexo feminino que identificamos pelo pronome “ela”, mas que não recupera nenhum elemento anterior do texto:
Ela se jogou da janela
Do quinto andar
Nada é fácil de entender...
Podemos inferir aqui uma situação narrativa: alguém se jogou do quinto andar do prédio e era uma mulher, mas não sabemos quem é, há apenas a perplexidade do narrador: nada é fácil de entender.
Na terceira estrofe aparece a voz de alguém que poderíamos inferir de um adulto acalentando uma criança:
Dorme agora
É só o vento
Lá fora
Nessa estrofe aparecem a voz de pessoas que podemos inferir como crianças e adolescentes de várias idades.
Quero colo!
Vou fugir de casa
Posso dormir aqui
Com vocês
Estou com medo
Tive um pesadelo
Só vou voltar
Depois das três...
Na quinta estrofe aparece a fala de um pai ou de uma mãe:
Meu filho vai ter
Nome de santo
Quero o nome
Mais bonito...
O texto pode ser um diálogo, ou pode ser a mesma pessoa afirmando.


Pode ser um pai ou uma mãe.
A sexta estrofe é o refrão da música que depois é repetida.
Aqui temos uma voz poética fazendo uma admoestação:
É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar
Pra pensar
Na verdade não há...
Na sexta estrofe há falas de pais e de filhos:
Me diz, por que que o céu é azul
Explica a grande fúria do mundo
Essas falas remetem à criança que está na fase dos “porquês”, com a necessidade de entender o mundo.
Essa voz é de um pai ou de uma mãe e remete ao desamparo:
São meus filhos
Que tomam conta de mim
Aqui temos vozes de filhos, talvez crianças, mostrando a separação dos pais, pessoas que não têm casa e outras que vivem mudando de família. Depois dessa fala há a repetição do refrão, o que remete à idéia de desamparo e desagregação das relações.
Eu moro com a minha mãe
Mas meu pai vem me visitar
Eu moro na rua
Não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar...
Já morei em tanta casa
Que nem me lembro mais
Eu moro com os meus pais
Nas últimas estrofes aparece a voz de um narrador que também argumenta e coloca sua visão, que somos uma gota d’água ou um grão, mostrando nossa pequenez diante do mundo.
A fala final faz uma crítica ao fato de haver cobrança em relação aos pais: será que os pais também não precisam ser entendidos? Será que seriam heróis ou que também não teriam suas fragilidades?A frase final “o que você vai ser quando você crescer” pode ser entendida como uma pergunta ou como afirmação. Se for como pergunta revela a intenção de perguntar será que você não vai ser como seus pais? E se for uma afirmação, a voz poética pode estar afirmando que vamos sempre repetir os nossos pais.
Sou uma gota d'água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais
Não o entendem
Mas você não entende seus pais...
Você culpa seus pais por tudo
Isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer?
Podemos inferir que o poeta mostrou nessa música poema as contradições do mundo moderno: as relações fragmentadas, o desamparo do sujeito. Essa fragmentação se dá tanto na forma como no conteúdo, com as vozes colocadas no texto. Parece que há uma câmera filmando grupos de pessoas falando e ele registra essas vozes da forma como aparece.
A fala do narrador, a voz poética organiza esse aparente 
caos e dá sentido a ele, questionando a postura do filho que culpa o pai, mostrando que somos humanos, pequenos diante da realidade.
Considerando que foi escrito em 1989, o texto mostra um pouco dessa fase, considerada a “década perdida” porque tínhamos recém saídos de uma ditadura militar com uma estagnação da economia e refluxo dos movimentos estudantis e populares.
É nessa época, na música “quando o sol bater na janela do seu quarto”, que ele pergunta:
“Até bem pouco tempo atrás poderíamos mudar o mundo. Quem roubou nossa coragem?”
O texto não possui coesão no sentido que um elemento recupera o outro, mas a partir de aspectos semânticos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário